quinta-feira, 12 de junho de 2008

Corpo Partido

Ele desceu hoje as escadas do prédio com um desgosto peculiar de café da manhã amanhecido em seu paladar. Era outono, mas as pessoas estavam expostas na rua com uma sensação esquisita de fim de ano. A velha andança de sempre aos Sábados pela manhã em direção à sua aula de arte, gostava de se tornar artista uma vez por semana. No entanto algo lhe coçava os miolos naquele dia, as pessoas estavam vestidas de maneira sóbria de mais, mesmo que fosse outono, mesmo que o frio ensolarado tomasse conta da pele na manhã plena e calma de Maio. Percebeu que algo havia mudado enquanto dormia e não havia sido avisado.”Será alguém importante morreu? Será é um luto por algum desastre natural na China? Ou alguma guerra civil no Rio de Janeiro? Será que havia acontecido mais um Tsunami ou coisa parecida e ele não havia sido avisado?”, pensou freneticamente. Ta certo que ontem não ligou a televisão, ficou por horas digerindo um livro de filosofia qualquer que lhe havia causado náusea, tudo lhe fazia muito mal por aqueles tempos. Quando atravessava a rua em direção ao bar (certo de que lá ia se ouvir alguma novidade) avistou sua vizinha do quinto andar, sempre muito simpática, passou reto e nem lhe percebeu, ele estranhou por um momento e assustado se deparou que ela carregava em sua mão esquerda o seu olho direito, ficou estatelado no meio da rua quase foi atropelado por uma BMW preta que sustentava nos faróis grande seios de mulher.
Pensou que fosse sonho, um pesadelo, mas na tentativa infantil de se beliscar percebeu na pele que estava acordado e ele mais que nunca sentia o mundo.
Reparou com espanto e admiração as árvores, havia pintos secos e bocetas caídas no chão, por um momento achou interessante este novo cenário até sentir o cheiro horrível que estava na rua. Quando acabara de atravessar a pista parou de reparar nos frutos caídos das árvores. Subitamente sua orelha direita começou a coçar irritantemente, quanto mais ele coçava mais a comichão lhe invadia a orelha. Como quem peida baixinho para ninguém ouvir, assim foi discretamente ao chão em direção a um dos sexos secos na calçada, e escondendo na palma da mão começou agora com a ajuda de um falo seco a coçar violentamente sua orelha que agora já estava sangrando de tanto roçar. Não demorou um minuto e estava com o pinto seco na mão e a sua orelha em carne viva caída no asfalto, começou a gritar, mas não sentia dor, gritava por que não queria mais sentir o caos daquilo tudo, onde havia parado? O que havia acontecido com seu corpo, com as formas do mundo?
Ele ficou contemplando com certa desolação sua orelha no asfalto, a orelha lá jogada perto do bueiro, sozinha e abandonada por seu dono, por um momento ele pensou com alivio “bem ao menos uma esta inteira comigo”. Quando decidiu pegá-la para guardar de lembrança em uma conserva de vidro e colocá-la em lugar de mérito na estante de sua sala, um rapaz já sem o nariz e as duas orelhas passou atravessando rapidamente a rua e de um só golpe colocou a orelha na boca e passou a devorá-la com grande vontade, o rapaz saiu correndo para não ter que vomitar a orelha de volta ao seu dono. Ele achou de mais aquilo, como já não se basta aquele caos todo ainda haviam comido a sua orelha como um chiclete! Ficou irritadíssimo, começou a gritar “Aquele rapaz comeu minha orelha! Peguem ele, ele comeu minha orelha!”, porem os passantes eram indiferentes, andavam na rua como se fossem zumbis em passarela de moda. Sentiu alguém gritar nas suas costas, quando olhou reconheceu a moça que fica no balcão da padaria perto de sua casa, ela estava nua e se oferecia a cada pedestre: “Moço sou virgem, aproveita que minha boceta ainda não secou e coma ela, coma moço, por favor, coma!” Ninguém se prontificava a ajudar a pobre moça, ele realmente ficou comovido com a cena afinal ninguém merece morrer virgem e com a boceta seca caída no chão, que destino! “Antes sem uma orelha”, pensou e se sentiu privilegiado. Mas nada podia fazer, definitivamente ele não estava em condições emocionais para socorrer a menina.
Sem saber o que fazer, e sem saber para onde ir apenas continuou andando para ver o circo de corpos partidos no asfalto, Boch não era nada perto do que estava vendo. Mais a frente avistou um velho que sempre ficava na porta do banco a pedir esmolas para os que acabaram de sacar as suas pequenas fortunas nos caixas eletrônicos, ele era o único que parecia ainda ter todos os órgãos em dia, quando reparou, ele sustentava uma plaqueta de papelão onde ofertava para quem quisesse um pedaço de seu corpo por um terço do total de sua soma bancaria, ele não acreditou no que viu e passou a rir muito e pensou: “que velho safado, mas que velho esperto!”.

-Até o pau vovô, vende também a rola?
-Essa foi à única coisa que já vendi, também já não me serve mesmo.

O velho riu com os seus poucos dentes podres e mostrou o buraco que agora tinha entre as pernas. Ele achou esquisito só o velho estar intacto enquanto tantos corpos já estavam partidos nas calçadas e outros tantos pedaços brotavam em lugares inesperados como nas arvores, carros, vitrines, havia também pedaços avulsos no meio das paredes, nas paredes se encontravam principalmente estômagos, fígados e rins. “A natureza mesmo no caos tem sua poesia” ele pensou irônico quando viu um braço pendurado no semáforo.
O que mais lhe assustava é que as pessoas estavam apáticas e não pareciam ter reações a aquela confusão toda. Uns andavam sem braços, outros já sem pernas se arrastavam com o que podiam, se tinham braços usavam, se apenas o tronco do corpo: então apenas rolavam pelas ruas. E parecia que todas as pessoas estavam nas ruas, que tudo estava presente nas avenidas, nas marginais, nas estradas. Ele pensou que isso era uma forma de protesto à cidade, afinal ela devia ver o que seus habitantes haviam se tornado. Para ele era remota a possibilidade de estar acontecendo à mesma situação em lugares como o Amazonas, “No Amazonas as pessoas são felizes” decretou infantilmente, se sentiu confortado por pensar que em algum lugar a forma não havia se quebrado e os corpos ainda podiam ser humanos, verdadeiros e inteiros.
Sentou-se em um banco de uma praça que sempre passava correndo quando voltava do trabalho, ele sempre tinha muita pressa durante a semana “Será que segunda-feira vou trabalhar?”, murmurou irônico.
Agradou a idéia de agora viver assim em uma sociedade se é que se pode chamar aquilo de sociedade, bem ele pensou que agora vivia em uma espécie de sociedade Anarquista! Sentiu-se muito, muito chique por que agora faria o que queria e ninguém seria contra ele já que todos se resumiam a partes caídas no chão, ou humanos em decomposição. Por um momento achou que nada disso ia dar certo, foi lúcido ao refletir que tudo ia se tornar muito monótono cedo ou tarde. Bem a verdade ele já sabia que seu vazio havia dilatado todas as possibilidades de mudanças mesmo se o mundo e o universo inteiro mudasse, ele ia continuar com as velhas impossibilidades de sempre. Sempre as velhas esperanças e resultados frustrados, sentado na poltrona de sua sala em um domingo de feriado.
Quando se levantou do banco sua perna direita ficou, ele não ficou espantado só ficou um pouco mais melancólico do que já estava, ele já se entregava. Nunca perdia o sarcasmo: “Sempre quis ser Saci-Pererê” gritou enquanto pulava em uma só perna para todo mundo ouvir.O cenário caótico já não mais lhe causava espanto, só era novamente outono e ele como os corpos partidos começaram a secar.
Quis cantar uma canção de partida em homenagem a sua perna que havia ficado abandonada na praça, mas sentiu que cantar uma bossa nova, ou um blues ou até mesmo uma canção francesa sofrida só ia aumentar mais a sua melancolia. Os seus pulos de uma perna só o acompanhavam como uma minimalista trilha sonora de um filme de arte onde tudo se justifica em nome da estética. Sentiu-se perdido, não conseguia ver arte em nada, justo ele que era artista aos sábados, aos sábados estudava historia da arte e seus percursos herméticos, gostava de entender a vida através das formas e linguagens.
Mais a frente perto já da grande Avenida próxima a sua casa bateu um instante de raiva nele, como era possível agora ele estar nesta situação e rodeado de pessoas iguais ou piores como ele? Pouco menos de uma hora estava em sua casa, inteirinho tomando seu café amargo para sair correndo em direção às horas mais queridas da semana... Já não acreditava em Deus, se havia alguma duvida de sua existência agora ele já não duvidava. Nenhum ser esplendido ia cometer tal ironia com suas criaturas, ele pensou enquanto sentou na calçada em frente à igreja de estilo gótico perto da grande Avenida.Ficou contemplando curiosamente as estatuas que agora pareciam ter texturas reais: pele, cabelo, olhos, lábios e tudo mais... Ficou apaixonado pelos anjos, nunca havia visto um com pele, eles eram de uma perfeição sublime, mas para sua decepção as estatuas não se mexiam e nem respiravam, ao menos ao que parecia, ele estava sentado no chão muito cansado e dava muito trabalho se levantar com uma só perna para averiguar se as estatuas realmente tinham vida ou se apenas “vestiam” em sua carcaça órgãos humanos.
Ficou durante um tempo nessa contemplação, as ruas estavam cada vez mais cheias de pessoas a andar desesperadamente sem rumo em todas as direções, todas apáticas sem se comunicar ou discutir todo aquele caos, umas já em estados deploráveis como aquelas que já sem as duas pernas apenas rolavam ou se arrastavam no asfalto com a ajuda das duas mãos ou do tronco. Ele mesmo já não sentia vontade nenhuma de falar com ninguém, se sentiu aliviado em poder ficar quietinho esperando a hora de tudo aquilo se transformar em apenas um sonho ruim. Levantou-se e agora sim ia na direção à grande avenida que de longe já se via que estava muito, muito movimentada, conseguia estar mais cheia do que as ruas por onde passará.
Parecia um desfile de anomalias como em um daqueles filmes sensacionalistas Hollywoodianos que insistem prever o fim do mundo. Um cheiro podre estava em todo lugar, ele próprio fedia de mais, ele que sempre foi higiênico, sempre: até no Carnaval! Seu nariz começou a coçar, ele não se entregou fácil, mas não demorou e o viu no chão ao lado de uma mão que já estava em decomposição ao que parecia. Quando olhou ao redor viu com uma mistura de espanto e conformismo uma multidão se despedir de seus órgãos um a um, era como tirar a roupa no meio da rua porem o que se tirava não era apenas o tecido que cobria a pele. Por um instante bateu-lhe uma curiosidade de saber o que havia também por de baixo da pele, algo que lhe explicasse sua existência. Assim como uma criança que desmonta um telefone para saber como funciona e se decepciona ao ver que não existe ninguém lá dentro e que aquelas pecinhas todas não fazem o menor sentido, ficou decepcionado vendo no asfalto aqueles pedaços vermelhos e moles se espatifarem no chão como um balão cheio d’água. Chorou um pouco por não encontrar dentro do corpo o real motivo de sua existência, se despediu gradativamente de sua ultima orelha, de sua ultima perna, de seus dois braços, de seus órgãos, tudo foi abandonando o corpo que agora se resumia a um tronco com uma cabeça a se arrastar no asfalto. A pedra agredia sua pele e lhe fazia sangrar cada vez mais...Ele não sentia nenhuma dor, ele ainda se sentia inexplicavelmente inteiro mesmo quando todo o seu corpo era ausente de órgãos, mesmo quando sua cabeça já praticamente vazia foi rolar e parar ao lado de um pneu de carro, algo nele era de total terror, ele ainda sentia o mundo em sua terrível condição. O que mais lhe desagradava era que mesmo sem corpo algum, mesmo apenas sendo uma carcaça que já foi habitada, ainda assim senhores! ainda assim ele sentia aquele vazio imenso dilatando tudo o que podia se chamar de corpo presente naquele momento.

David Cejkinski

terça-feira, 3 de junho de 2008

ENSAIO SOBRE A PARTIDA

È necessário por estes tempos em que vivo falar explicitamente sobre o corpo, o abandono, a ausência e a partida. Partida pode significar: ir embora, dividir, começar algo (dar partida), de partida vem à palavra parir, quebrar, o abandono e a ausência são sentimentos intrínsecos nesta palavra, já o corpo é uma organização como o corpo humano, o corpo docente de uma escola, o corpo médico de um hospital, mas o corpo pode ser também uma organização de idéias, “um corpo comunicativo”.Estes estados vêm presentes em mim a muito, muito tempo. Escrevo já sem muito notar no meu velho e querido blog (www.meucoracaooutono.zip.net), sobre corpo e partida, cada vez mais estes assuntos vem à tona em mim e isso não é reflexo de um momento de tristeza, depressão ou qualquer outra coisa que possa induzir a escrever sobre esses temas desagradáveis e doloridos, porem urgente nesses dias em São Paulo e acredito que no Brasil e no Mundo. Posso falar do que vejo e sinto, essa é a única coisa que sei fazer. Não sou um teórico, ou um filosofo, ou qualquer doutor em alguma coisa, eu sou urgente e isso me leva para a palavra, cada dia mais. A busca de um estética sincera ao leitor, ao encontro de uma linguagem própria foi que cheguei ao corpo fragmentado, a um corpo que comunica o todo de mim, ou apenas alguma parte mais urgente do todo. Isso quer dizer que cada vez mais vejo pessoas e situações que gritam desesperadamente por algum tipo de relato, não é possível ficar calado, infelizmente já não mais é possível.... Escrever é um exercício difícil, doloroso e que exige muita paciência e tempo, coisas que eu estou apreendendo a exercitar. Mas cada vez mais é essencial a escrita para o mergulho em mim (por mais clichê que isso possa parecer). È aí que entra o “todo de mim”, essa é a minha necessidade de narrativa, ou seja, de descoberta, de descamação. Fazer a palavra e lapidar um poema ou um conto é para mim uma forma de renovação da pele, renascimento de um corpo vivo. Essa fragmentação, essa partida vem do desespero do não olhar, não perceber, não sentir, cada vez mais presente em uma sociedade apática consigo mesmo e com qualquer problemática que a envolve. São tantos os exemplos que seria por de mais jornalístico ficar narrando este tipo de situação, sei que o leitor me entende é só pegar um ônibus em São Paulo e perceber o abandono absurdo que as pessoas tem para com suas vidas, com suas historias, com seus valores. Uma sociedade prostituída é o que cada vez mais fica obvio para mim, e o desesperador é que esse é um comercio velado, é uma forma discreta de silenciar o todo para o suposto beneficio de alguns. Acontece que estes alguns também já há muito estão abandonados, ausentes, enganados com a ilusão de viver uma vida boa, uma vida onde se tem controle sobre sua historia, sobre o seu corpo e sua alma. Não quero e nem estou sendo político, vejo isso nas pequenas relações.
O todo é cada dia mais individualista, por conseqüência o individuo esta cada dia mais inserido em um jogo de cabra cega onde apenas poucos conseguem enxergar o que acontece com o cidadão, o cidadão é enganado por sua própria individualidade que reflete negativamente no todo. Para um exemplo mais claro há anos atrás nós brasileiros lutávamos ou alguns lutavam para o fim ou a permanência de uma ditadura, sabíamos onde era o alvo e assim cada um dependendo de seu ponto de vista se colocaria de forma determinada contra o seu algoz seja eles os militares, seja eles os comunistas. Depois da morte dessa era idealista o que sobrou ao homem a partir da década de 80 no Brasil e acredito no mundo, foi à morte de uma identidade, uma sociedade que começava a se organizar para viver cada dia mais a si mesmo. Com a globalização e toda a explosão econômica a sociedade de consumo passou a favorecer este comportamento individual, mudando então gradativamente a postura do homem até chegar a um ponto onde já não temos mais a consciência dessa mudança e então não conseguimos lutar para qualquer mudança positiva em nós, ou não, obviamente todos temos o direito de escolher a sua personalidade e a historia que quer viver. O que fazer para que ao menos o homem contemporâneo se depare com essa guerra silenciosa que o corrompe cada vez mais? O meu grito vem através da arte.
E assim vejo a fragmentação da vida, assim percebo que as pessoas cada vez mais usam o mundo, o dinheiro, as pessoas e os seus corpos para obter um momentâneo instante de prazer ou vantagem que logo acaba. Então posso dizer que a nossa sociedade é cada vez mais movida pelo corpo e por sua individualidade e isso não só tem haver com sexo e relacionamento, também, porem o que falo é que o cidadão em geral se comporta cada dia mais de maneira instintiva e animal. A tecnologia, os grandes avanços científicos apenas camuflam uma aparente evolução intelectual de nossa raça, sim pode ser que tecnologicamente estamos cada dia mais evoluídos, mas e quanto aos nossos comportamentos? Quanto as nossas atitudes perante o mundo, a sociedade, ao outro?
Pode isso parecer didático, mas é isso que me vem à pele e me é urgente cada dia mais. Eu preciso descamar, jogar fora esse corpo de ausência, abandono e partida que me vem à tona seja na minha percepção do que eu vivo, seja na percepção dos meus dramas, da minha narrativa. Por isso Corpo Partido, por que é preciso ser camaleão para sobreviver.

David Cejkinski

FORA DO CORPO

A ideia é que a muito tempo ja escrevo sobre corpo, e ah muito tempo não sabia como ou qual o conceito de um novo blog, então abaixo nada mais é que textos postados no http://www.meucoracaooutono.zip.net/ porém pertencem a este mundo, a este blog.

SALMO

Eu vou te reformar
Para sempre na linguagem humana
É preciso poetizar para não rezar
Não se entregar a dogmas
Em uma dispersiva tentativa de êxodo
Onde nunca e a qualquer momento se lança uma tentativa de pureza
Onde o mar aberto não te encontra
Onde qualquer dia o jogo ganha forma
Já que nas ilhas não se tem fuga a um lugar utopico.
É preciso quebrar
Escandalizar
E doer
Em qualquer tentativa de espera
Para lá da linha do equador
Por onde a poesia passa precisa e correta, onde me traz amor...
Esse vazio me rompe o corpo
Essa lança de mil dedos me rasga o ventre
Para lá, em cima das historias tristes.
Por onde passa a verdade
E qualquer poesia mancha de sangue todas as vontades
Grite e não se deixe
Lamba com meticulosidade as lanças livres
Que furam o olho de qualquer mesmice
Te entregues
Em qualquer sala de partida
Não minta, a poesia não suporta mentiras.
Na geografia de um lugar comum
Nenhuma língua santa canta um verso de lamento
Te entregues, depois da via Láctea.
Depois do corpo-santo
Existe uma mão, um acalanto.
Que precisamente te pegas o corpo nu
Não deixe de contar os traços
Rever os versos que vomita nessa pia
Fazer dos teus embaraços
Sua reza e sua poesia

David Cejkinski

ESTIVE MARCADO COM...

Estive marcado com literatura
Sobre o teto de giz uma nobre pintura que refletia a moeda estranha em meu nariz...
Dançava pelas ruas um estranho Rimbaud de meias férulas
Ah, quem ousa bailar poesia em esquecido quintal?
Mar de tropas cavalgando em destino certo o meu parado varal...
Sobre um tanto outono
Em dias quebrados no chão
Desfilava assim o senhor Van Gogh com sua orelha na mão
Mas de tanta terra que transborda entre as veias e deságua o meu ar de arte...
Vestir o corpo de literatura, como em uma nobre pintura Pop Art.
Vanguardista de museu.
Onde não se cobra caixinha por guardar o que é seu
Cubra de tédio o pátio que te faz metódico
Descubra o teatro que descortina a mascara...
Quem saberá assim de sua nobre pirraça?
È Roma que diluí o grego canto final
Mas já estive em Rio que é de Janeiro a Dezembro o meu Brasil...
Lá se come samba na praia
Lá se lancha bala na testa
Eu que gostei de passar na Sapucaí em dia normal...
Tão fútil como engarrafamento em final de feriado prolongado
Como sou mau amado por entre as frestas de Frida Khalo...
Um dia me calo, e te faço um parto digno de um Arrabal.
Quem te disse esse marco final?
Nada silencia o silício de nossa poesia
Para que Machado de Assis? O grande chato!
O realismo é um corte no olho que destrói os fracos
Um dia desses marquei uma valsa com Artaud
Não veio, disse que não conseguia parar de gritar com Anton Tchecov, e eu fiquei meio ameno...
Nesse meio de vida
Qualquer dia desses recebo de presente um frustrante Picasso...
Nem Monet me consola nesse desembaraço
Esperando Artaud no Fran’s Café?
Nada mais obvio, talvez um cigarro acalme lento o Pollack do meu lamento...
E eu que pensava ser bonito ser surrealista...
Eu que pensava algumas vezes pensava e parava de me esforçar...
É chato tentar algo esplendido
È literal o marasmo de pedra
É fantástico como cada milícia destrói sua delicias...
E engraçado é dançar aos sábados
Com gente que nunca viu
Eu já me quis em Paris...
Hoje navego em outro rio...

David Cejkinski

EU QUERIA...

Eu queria para sempre ouvir uma musica sua.
Delirar em teus braços.
Juntar os meus gritos.
Navegar no meu rio.

Eu quero amar sem pecado
Quero fluir e lamber meu veneno, me perder no vazio...

Sua língua que goteja edifícios no asfalto.
Quero quebrar seus retratos de dores.
Justifico humores.

Lamento o meu rio.

Giro, giro e me largo, me entrego sozinho ao passado...
Assim de leve no teu rosto macio.

Este silencio gelado,
Um quê de pecado,
Uma dor arredio...

Um hino parado,
Um som de tempo no medo,
Um gozo concreto e vadio.

Poema imundo de sexo, porra e vazio.

Eu queria falar à você sobre minha letra de espermas.

Queria traduzir palavras paradas no espaço.
Os seus ovários escorrem em sua virilha à temperar minha boca, minha saliva.
Eu quero matar sua ilha.

Vomitar o instante do gozo no dia.
Me calar de poesia.

Tremer no valente instante de vida,
Onde na minha alma partida.
Me entreguei aos teus seios rosados, me afoguei ao seu lado,
Desmaiei no meu rio...



David Cejkinski 06-09-07

PONTES

Um dia te destruirei. Com furadeiras pequenas que te trucidaram as partes silenciosas do teu corpo. Vou te matar como imagem barroca onde nada é humano. Castigarei assim sua vida. Humanos são como sombras a deslizar na terra pisada. Eu te adapto, eu te reformo e eu te mato, te mato como se pisa em formigas no campo, com um prazer secreto e enfermo. Um dia vou corromper o mundo e a morte será seu espetáculo final. Tão bonito quanto final de tarde de um domingo. Eu te acalentarei em pontes perdidas, pontes que não levam ninguém a lugar nenhum. É preciso ser místico, é preciso prever para matar. Um dia estarei no asfalto a contemplar a vida que se perdeu nas frestas das pedras, como um sonho que nunca aconteceu. Previsível como cidade e amargo como horizonte sem fim. O tabaco de todos os dias, essa metralhadora de rosas que mitifica o manto e destrói a planta das rochas largas, a semente do teu ventre podre. Gestarei um semideus, confirmando o meu toque divino de fatalidade obvia. Destruir e prever onde as pontes calam, onde os gritos vazam cítricos como o seu olhar para mim depois da noite. Pontes, lindas e clássicas que acabam no nada do meu traço embaralhado. A sina que toca em outra linha e cruza com a minha em parte triste de um filme sem montagem. Me arrastarei nas avenidas largas do teu plácido pontal de zinco. Como um livro sem ponto final. Já nessa marcha sem sentido o meu menino é que me cala a boca. É no teu dia que a noite sempre volta, naquela tarde onde sempre essa ponte torta, eu mitifico com toda melancolia, toda essa vida que no ponto esperei, essa viagem um dia calará, em paisagem que carrega o meu lamento, eu te trucido com mecânica cidade e no meu carro eu carrego esse rei. Destruirei te adaptando ao meu corpo, e te movo um tanto cínico nesse fim. É morte certa que de presente eu te dou, esse diploma é que eu vou te deixar. Partirei na certa em qualquer estação-metrô, como cantiga que ciranda os passantes. Vou te deixar em qualquer ponte dessas tardes, um dia eu volto mas não vou te buscar.


David Cejkinski

ARRISQUE O SEU CORPO EM QUALQUER....

Arrisque o seu corpo em qualquer historia de partida.
Verás que nada cala a alma de trás do morro da memória
A vida é paz que se quebra na rotina
Ainda que teu corpo dance um samba sobre o dia
Faz um tempo santo
Onde qualquer silencio arrasa o seu corpo nu
Par perfeito na hora do meu trânsito
Qualquer pranto me ataca no baú
Já dizia, eu já dizia quando dorme
Que falecer é correr em utopia
Na minha barca quente e esquecida
Jaz sua vida em folia repetida
Me traz um banco qualquer que eu me mudo
Fico sentado em outro lado do meu mundo
De traz do morro da memória já vai longe
A lucidez que me trucida e me corrompe
A minha vida já faz tempo que esqueci
De traz da morte minha mascará sorri
Que tanto faz onde me encontro agora
Quando lá fora só resta mar nessa memória
Me arranca longe no fundo do meu olho
Do torto comboio que dança no teu jogo
A lancinante historia de partida
Agora é tudo que fica no caminho
Essa fazenda onde piso em outro vinho
Por mais que a arte seja parte do meu cais
Já há algum tempo onde tudo tanto faz...
E na poesia onde eu ria outros tantos
Catei minha dor pra rimar os meus silêncios
É a ausência que mora em mim e me convém
Já nesse cais onde qualquer coisa é fugaz
A tatuagem marca a alma imoral
Em toda morte existe a festa do silencio
Que nem poesia traduz o seu jogral
A morte em tempos de corpo narrativo
Desfila o samba na rua do juízo
Parte da vida contada nessa historia
È pura gloria de outro riso, outro riso.
Então cantai o meu fatal destino
Grego silencio que toca no meu hino
Faz tempo então no trem da minha ausência
Que vou pra frente em franca decadência



David Cejkinski

QUANDO A VIDA PEDE PASSAGEM ENTRE OS DEDODS DAS MÃOS

Ao som de Desafinado.

É esse vento forte Alfredo que cai fora das marginais e invade as ruas com a sustentação de todos os pulmões...Sabe Alfredo, faz tempo que não entendo essa torrente de pranto a invadir os prédios, as famílias, as pessoas, invade a mim com esse vazio imenso.Quando a vida pedir pra te deixar em paz, Alfredo, não de ouvidos a ela, se deixe enganar na beira do mar onde o tempo pára à espera de qualquer coisa que mude as marés do tempo.Quando criança eu menti para minha mãe que era feliz, lá pelos oito anos onde a vida é escola e festinha de colega, ela me via aos cantos quando todos dançavam Kid Abelha e brincavam de salada mista ou verdade ou conseqüência, eu acho que na verdade não foi nada disso.Faz tempo que já não entendo mais de mim, apesar de achar que muito sei de qualquer coisa.O importante eu acho, é que desde então minha vida é feita de conclusões umas tanto duvidosas, minha mãe perguntava: ”Querido, por que aí no canto? Ta tristinho?”, em silêncio afirmei para mim mesmo, mas nada disse a ela.Acho que essas coisas não se dizem a nenhuma mãe por mais verdade que isso seja.Para as mães os filhos são felizes e isso é sagrado. Já aos vinte e dois depois de muito blues e bossa nova, depois de muito processo criado com dor acho que encontrei a felicidade dobrando a esquina da Paulista com a Brigadeiro Luís Antonio.
Mesmo com o correio fora de moda decide te mandar essa carta porque não da para mandar via e-mail: Olha acho que agora vai dar certo! Nunca vou esquecer quando em Boiçucanga em um feriado chuvoso de final de ano nós discutimos feio por causa de uma bobagem qualquer que não me lembro, ou não quero me lembrar e desde então não mais nos falamos. Talvez por desinteresse de ambas as partes, talvez por que a vida passou rápido de mais ou talvez por qualquer uma dessas coisas que acontecem e não se sabe explicar o motivo.Na rodoviária você me disse que se um dia eu fosse feliz, se um dia eu me entendesse comigo mesmo era para lhe avisar com prioridade.Acho que essa hora chegou, pois bem Alfredo por mais ridículo que eu me sinta eu te comunico: Sou feliz. Pronto, acho que já disse tudo o que devia te dizer. Por mais que eu tente te escrever essa carta como uma verdadeira carta deve ser com folhas e folhas e rodeios e rodeios, a objetividade é bem cibernética, ninguém faz muitos rodeios por e-mail, as cartas já não são as mesmas, as confissões já não são românticas, viram fofoca ou deboche.Nada é mais levado a sério nem o romantismo, que atraso de vida também querer ser romântico ou existencialista na era digital, não?
As pessoas não têm mais tempo para ficar lendo tolices, as pessoas estão cada vez mais ávidas por algo que fale explicitamente ou implicitamente de sexo ou da vida do vizinho.Eu mesmo adoro revistas de fofocas, admito.Então pronto acho que já te disse o que precisava falar, me acredite agora sou feliz. Você deve estar no mínimo curioso para saber o que fez despertar tão estranho sentimento em mim? O mesmo vento que me invadiu aos oito anos.Invadiu minhas mãos, as unhas, os cabelos, a boca, o estomago, o sexo, a pele, os olhos o tempo.Logo ali: na esquina da Paulista com a Brigadeiro Luís Antonio depois de ver um filme do Bergman, acredita?Sim bem do Bergaman onde a vida é trágica e silenciosa. Desci para ir à padaria comprar cigarros e a vida pediu passagem em uma tarde perdida vendo filmes de arte sobre as frestas dos dedos para depois invadir o que já te contei. Até mesmo joguei o maço de cigarros novinho fora. Eu e os passantes éramos felizes, sei que todos eram e eu não sou de achar que todo mundo sente o que eu sinto, sim por que sempre tem esses (as) chatos (as) que acham que todo mundo sente, pensa ou quer a mesma coisa que ele (a). Eu só sei e pronto. E essa não é mais uma conclusão duvidosa.



























Será?

David Cejkinski

DESÁGUA

Para Natalia Gonsales.

Ao som de violinos.

Como se fosse um anjo fumando, assim era Ana Lucia pelas tardes abafadas de Março onde seguia navegando entre ondas e marés instáveis de pessoas sobre a pedra.Ela transbordava junto com a fumaça dos carros algo de efêmero das grandes solidões entre muitos.Era como uma valsa metódica que desaguava por onde passava suas pernas e cigarros.Sua pele marcada dos 50 anos e a instabilidade de alguém que já suou e verteu todos os líquidos que seu corpo podia abandonar, era seca como a cidade.E seguia na Avenida Ipiranga com a sua pele alva e seca, seus olhos azuis e os cabelos abandonados sobre o vai-e-vem de almas, coisas e mistérios.Apesar de tudo era angelical como algo que se perdeu e se mantém aparentemente lúcido, era de uma loucura mansa.Entre embarcações de urbanos que se jogam sem salva-vidas nas torrentes de pedra, era assim que gostava de passar os sábados no centro da cidade.Não desperdiçava nada, nenhum personagem era desinteressante aos olhos de Ana.Tinha prazer em ver outros como ela, que eram secos como ela.E em especial aquela tarde, já que fazia quatro anos que seu marido faleceu.Desde então Ana se jogou em algo que não se explica, algo que é maior do que a linguagem e qualquer paixão.A vida seguia com levas de passantes pelas tardes de sábado como se sua vida fosse portas fechadas, livro que caem,dores que nascem, alguém em seu ultimo suspiro, o som de um violino que se dilui entre a lembrança de uma orquestra harmônica e algo dentro dela que fechou e não quer mais se abrir.
Se bem que esse mergulho já foi longe de mais em sábados atrás onde bolinou um garoto que conheceu no jardim da luz, ele e seus 15 aninhos, Ana gostava de bolinar anjos e de tomar seus leites, sucos, suor, para hidratar algo que secou em si.Varava então a vida em busca de líquido que preenchesse seu rio.Corromper: seu suco preferido, nada lhe dava mais prazer do que ver algo se perder.Foi assim que se perdeu e assim que devia ser.
Conheceu Mauricio em um bar da São Luís, pele morena, estatura mediana, cabelos castanhos e seus encantadores 14 anos.Ana não teve duvida, tinha de ser ele.Ele contou entre as mordidas rápidas que dava no pão de queijo que Ana lhe pagará que vivia na rua desde os 10 anos quando fugiu de casa onde seu pai espancava ele e sua mãe todos os dias, nunca mais voltou, e diz que mesmo na rua é mais feliz do que naqueles tempos. Ana ficou encantada.Levou o menino para sua casa, algo dentro dela dizia que aquele dia ia transbordar por fim o parasita que a infectou quatro anos atrás quando se perdeu e nunca mais se encontrou.Ana deu banho no menino, cortou suas unhas e até mesmo aparou seus cabelos, o menino que achava tudo muito estranho não se permitiu perguntas já que há tempos não era tratado tão bem.Ela deixou o menino no banheiro e pediu que ele a esperasse chamar por ele, foi até o armário de onde tirou seu vestido de noiva. Era um vestido simples, mas tinha uma longa calda o branco já estava um pouco encardido, Ana sabia que tinha de fazer aquilo.Vestiu tudo até mesmos a longa luva branca, colocou um batom e se olhou no espelhinho da sala, gostou do que viu.Quando ela chamou o menino para vir à sala ela estava radiante como no dia de seu casamento há tempos não sorria e sua pele até aceitava com dificuldade o seu largo sorriso estampado no rosto.Ele ficou atônito parado no centro da sala, nunca viu alguém vestido assim para ele, ficou encantado e levemente assustado com toda aquela cena.
Acalentado no colo dela com um sorriso de menino que acabou de chegar ao mundo ele se entregou para algo que devia ser realmente seguro, abraçou a barriga de Ana com cuidado para não estragar o vestido mais lindo que já viu na vida e de lá não queria mais sair, como se fosse um feto que encontrará por fim o útero que não teve, Mauricio sorriu para Ana como uma criança que sorri para algo desconhecido que esta preste a conhecer e a gostar, como brincar de fazer bolinhas de sabão, nadar na chuva, trocar os dentes de leite e pedir dinheiro para a fada dos dentes e tantas outras descobertas reconfortantes da infância.Eles juntos na sala, ele preso a ela com um feto morto, ela a mãe que nunca foi.Os dois uma família, juntos como algo que se perdeu, mas foi encontrado em uma tarde de sábado quando os tempos já não anunciavam vitórias e as pessoas levavam consigo uma ideologia duvidosa de vida. Da janela o sábado passava comum, de dentro do apartamento o tempo parou.
Ana não conseguia fazer o que pretendia, não conseguia simplesmente largar o menino no meio da sala se despir e ganhar a sua paz com o ritual que ela mesma inventou há anos atrás. O menino era especial, ela viu em seu olhar algo de tão ausente que nem ela se achava no direito de sugar mais. Ela olhou na parede a foto de tantos outros conhecidos iguais a ela, outros que sabiam ser sugados e sugar vidas como alguém que toma um suco de laranja em uma lanchonete vazia. “Eram amigos”, ela falou pra si própria.Algo dentro dela acontecia enquanto o menino a abraçava forte no estomago com cuidado para não amassar o vestido mais bonito que já viu na vida, Ana começou a soluçar e quanto mais ela soluçava mais ele a agarrava e o tempo não passava, o relógio se negava a navegar naquele apartamento pequeno, abafado e mobiliado com poucos moveis do centro de São Paulo, e quanto mais ele a abraçava mais ela se desesperava. O menino agora já estava totalmente envolto em Ana, ela segurava a cabeça dele querendo tirá-lo dali, mas de lá ele não se mexia, era quieto, sereno e frágil como um verdadeiro feto. Ela chorava agora e suas lágrimas a fizeram lembrar do dia de seu casamento onde não parava de chover uma garoa fina que a fez quase escorregar na saída da igreja, quanto mais ela ficava com o menino nela mais ela se debruçava sobre aquele dia.Lembrou da igreja, as flores, os convidados, a decoração feita por sua mãe, os primos distantes do interior, o violinista contratado por sua avó, o padre esquisito que sua madrinha fez questão de contratar já que ele é quem tinha a batizado quando neném, seu pai que já não estava bem, sua mãe preocupada com seu pai e por fim o Roberto que estava lindo e estampava no rosto o sorriso mais seguro que ela viu na vida.Quando Ana se debatia em seus devaneios o menino que agora agarrava forte o vestido (já que o cuidado com ele era algo que já não tinha mais importância) foi despertado da espécie de transe que havia entrado, ele agora precisava de algo a mais dela, não sabia explicar por que, mas foi com as mãos direto aos seios de Ana que agora já estava totalmente recostada no sofá de couro marrom com os olhos semi aberto, as lagrimas marcavam o vestido como um papel agredido pela tinha de uma caneta esferográfica.Ana nada fez quando Mauricio colocou seus mamilos na boca e ficou com eles imersos na sua saliva que era esquentada pelo calor dos seios de Ana. Mauricio ficou muito excitado com aquilo, contraía a mãos em seu pau que estava rijo, muito rijo.Nessa mesma posição Mauricio foi procurando com sua mão o sexo de Ana.Ela deixou.
Agora o relógio voltava a andar e as coisas eram como deviam ser.Ele a abraçou forte por uma ultima vez, e logo se encaixou nela, foram navegando por rios desconhecidos que indicavam desaguar no mar, a brisa anunciava os ventos salgados da maré.Transbordaram os desejos chegando ao mar onde é perigoso ser levado por uma correnteza, e foi o que aconteceu com Ana.
No meio daquele oceano-apartamento Ana se perdeu novamente em algo que é inominável, ele a procurava sobre aquelas águas, mas só conseguia ouvir seus berros falando para a deixar, para sair de lá, gritava desesperada com o menino dizendo que não o queria mais lá, gritava repetidamente para ele e para si mesma que já tinha o que verdadeiramente queria, o que verdadeiramente queria.Ele tentou falar com Ana, mas por mais que gritasse ele não a encontrava no meio de tanta água e correnteza. Ele foi nadando com dificuldade em direção a porta do pequeno apartamento, não queria sair, mas Ana agora já não pedia, ela gritava e ameaçava que se ele não fosse ia se abandonar naquelas águas para nunca mais emergir.Receoso ele abriu a porta e toda aquela água invadiu as escadas do prédio, os apartamentos, o poço do elevador para invadir as ruas, as casas, as lojas, outros prédios, empresas, shoppings, cinemas, teatros, parques, estradas e vidas.

David Cejkinski

EU

Eu.intoxico meus dias.eu.gosto de patê de zinco.eu.gasto parte do túnel em metódica folia.eu e a rotina.eu que muitas vezes outono.e eu.no castigo divino.eu que só quero e detono meu deus.me lavo e me sinto.eu.já dizia que aquilo que desliza no meu.detona o seu.carnaval de mentira.eu.você perde e detona essa cantiga de espera.eugostodevocênoteuegomansamentecegoeu.lamuria.que te rasga roupa.lamuria que te beija a boca e louca te faz cada instante esse inferno-eu.me diz o teu nome que eu faço musica os teus cacos e trilhos.eu maldosamente e meu rastros de filmes.eu não sou indiscreto em chuva de verão.eu quero algodão doce no boteco da esquina.eu paraliticamente feliz.eu.milimetricamente santo.eu que me nego um doce canto.eu que não enxergo esse gasto tema.eu que me movo no escuro de mim.essa coisa que não inquieta dentro do eu é a droga que me intoxica.eu.

DAVID CEJKINSKI

ACALANTO

Sabe quando a cidade transborda as marginais de um tempo que não passou...
Talvez teus néons traduzem essa sua maquiagem de uma beleza artificial
Uma beleza feita desse ópio de cidade muda
É feita de mentira a poesia de pedra
Tem gosto de catraca corrida
No metrô em horário de rush

Passa, passa como pedestre com pressa em avenida larga.
Passa, passa e não sorri de graça no semáforo metal.
Passa e passa cada mão suada uma historia ouvida
E passa na vida essa métrica mecânica dos meus olhos tortos

A vida escorre no centro da cidade feito corrimão
Pernas longas de Anhangabaú
Faz tempo que o vento leste inunda as gangorras de valores
Listrados ternos cruzam em sincronia pura os andares de luxo
Cada qual tem destino de vinco
Acertados feito relógio suíço

Faz dias que a maré subiu na Santa Cecília
Faz dias que subi a avenida mesclada
Abrace-me bueiros e pedras
As lagrimas escorrem do meu asfalto ao teu
Somos feitos de nada e o concreto confirma a nossa frieza
Anchieta fundou em teu pátio um breu
Late como jesuíta na inquisição
E queima minhas pernas profanas
Lambe como alecrim a vida
E explode a ordem da historia
Nada completa na cidade que engana

Era feita de ópio a Meca de cocaína
Paraísos artificiais em cada esquina
Estupro e gosto de destruir minhas retas avenidas
Me encharco feito menina na augusta, com pernas longas e cinta-liga.
A sombra completa no cemitério volante
É um desfile notório de caixões ambulantes
De-me um dinheiro qualquer que te faço feliz na cidade

Por isso te acalme as pernas
Complete sua vida com minhas ruas paralelas
Feito metade de um transito
Ouço, ouço como um verdadeiro engano.
Então te acalmes
As buzinas colorem sua rua
Então te desacelere
E me bata com tuas faixas brancas no negro asfalto
Me tome como pedestre em avenida suja
E acalante minha magoas de pedra
Como em uma roda-gigante de solitários
Me de a mão no alto do parque
Tenho certeza que vamos conseguir conquistar as ruas de ladrilhos claros.


David Cejkinski 08/02/2008

ACELERO FEITO CARRO...

Acelero feito carro na estrada.
Quero me deter nos teus poros de pedra
Faço de tua pele uma escada mítica
E lembro que eu gosto da minha dorzinha solitária
Gosto do meu aquário de lagrimas
Não sei como fui te encontrar em um mar de corpos

Me diz uma sonata metódica?
Me explica o que acontece em tua pele salgada?

Como em uma calada de morte, assim foi quando eu te vi intrínseco na minha pele.
Daí foi como dizem que é.
E eu já me detonei nesse samba.
Mesmo sabendo o final.
Olhei pro céu que te apresento em vigília
Você nada sabe dos astros

Você gosta de mim?
Me explica como funciona o teu mapa astral? Explica?

Persigo a tatuagem dos meus dias.
Mantendo sempre esse dilúvio em voga.
Me retira e me tira da minha ira?
Faz tanto tempo que tudo me apavora
Feito as pontes do centro da cidade
Tenho talento para as quedas suicidas.

Dói amar?
Me explica como é que a gente faz quando não se sabe se ama?

Eu já quero derramar o meu copo em vinho doce.
Mesmo sabendo que vou ficar bêbado no final
E nada vai ser urgente
Nem o meu corpo vai gritar seu nome.
Talvez minha alma ainda retraia seu sorriso
E como em uma bossa-nova vou falar que não sei amar.

Você já amou?
Me explica como é que se faz amor?

Davyd Cejinski

RÉQUIEM

Se eu te falasse que cada parte do quarto é preenchido nos teus braços, teu lirismo.
E nada é vulgar já que nada faz sentido no seu mundo histérico.

Falava da vida assim como um corpo entregue ao nada

Falava de poesia como quem faz parte da historia contada.

De dias perdidos era feito o seu diário.
Nada transcreve esse estado de poesia plena no armário do teu corpo

Hoje nadando entre paulistanos percebi teu quadro de ausência.
Sei que tudo é palavra enquanto somos sozinhos nessa cidade
Mas não me deixe quando as horas voam em estados menores de vida.

Um dia vou te pegar e não te deixar partir
Porque eu vou partir.
E as palavras não vão reconstruir os meus cacos
Eu vou partir
E nada impede da vida parar de tocar essa musica medonha
Já te deixei na esquina, já te coloquei em minha vala, já te perdoei quando menina e nada que valha sua velha sala de merda.

Era um dia púrpura que cobria os meus cacos no asfalto
Era como se fosse domingo pela manhã.

Um dia vou voltar e dizer que agora tudo é vulgar
Um dia quem sabe você vai dizer que tudo o que resta é essa masturbação urbana de sexo, trabalho e consumismo.

Cantarei um réquiem capaz de calar minha ira.
No meio da paulista serei feliz...
Como um brinde de champanhe fora de época.

Davyd Cejinski

QUANDO ME TORNEI ARTISTA

Tudo parte no centro da cidade. Quando de noite me encarei no espelho e vi a cidade refletida sobre mim percebi que o natural das coisas no centro de tudo é a partida. Sinto-me como uma sala de espera, me entrego a todas as preocupações de vida: carreira, amigos, família, tudo passa e abandona, a natureza da vida é a morte. Vejo de longe as luzes que sentem falta de tudo que não é mais presente. Como já disseram a saudade é a fome de presença e a presença nada mais é que um momento preste a morrer.Tem cheiro de morte no centro da cidade, tem jeito de morte repetida, o abandono faz das ruas um monumento de descaso. Sentado na minha própria sala de espera me debruço sobre este exercício de perda. Perder é natural de vida.E no centro da cidade a perda é evidente no centro da questão, se as ruas são vazias no verão é por que a ausência preenche os prédios mortos de seus escritórios. O centro da cidade é trabalho e trabalho é ensaio de espera. Faz frio no verão, nada você pode saber disso, não vejo nada de engraçado no centro da cidade e isso me faz ficar pleno de uma coisa que se ausenta em um lugar qualquer, já que tudo na cidade é para ser usado e abandonado. Essa montanha russa de espera e morte faz da vida um precipício azul gostoso de se atirar. No apartamento essa adrenalina é evidente já que é onde o precipício aflora essa dor gostosa de vida.O mar de prédios, seguidos do entardecer, a lembrança nos ladrilhos claros de vida, a calçada.
Tomo o meu café, a nicotina me faz uma menina corajosa e malvada. Quero fazer um quadro gostoso de morrer no chão, quero fazer um quadro de ausência plena e que não deixe duvida para qualquer critico colocar em questão. A arte faz parte natural da perda, a arte é algo que só faz sentindo quando é deixado para a eternidade. O corpo da arte não aceita a morte. Por isso na arte qualquer um é imortal.Achei corajoso pintar um quadro de morte no centro da cidade em plena avenida São João.Tudo me permitia aquele ensaio de perda, só vi certeza em concretizar aquele momento de arte.Como seria bonito o sangue pintando asfalto, o asfalto pintando o meu rosto que pinta a morte que horroriza os pedestres que se eterniza na arte.Este momento vale minha sala de espera. A gilete desenhou na minha barriga: Agora sou um artista. E nessa certeza de arte me estamparam na primeira pagina do jornal de domingo com suspeita de suicídio, tolos nada eles entendem de arte moderna.

Davyd Cejinski 24/12/2007

ERAM DIAS...

Eram dias de pratas pesadas.
Desmanchavam lanternas, arrasavam corpos construídos.
Era de fato um retrato moldado.
Fazia mal chover os teus próprios braços
Os seus princípios carcomidos de seu passado
Bem que dizia o truque de todas as historias.
Mas nada fazia arrasar aqueles dias.
Do alto desses milhares-de-céus-e-momentos.
Faziam bailar seus momentos
Como um estrondo no fato
Arremessava a pedra de seu estranho mercado.
Mas nada calava ou sorria, era de fato o escrito daquela historia.
Causava vitória em pecados capitais
Fragmentos, metais catatônicos e mecânicos nos versos tétricos.
Piscina de cal, areia de vidro e nada que um hino desbravasse o seu veneno letal.
Era de prata o seu mal.

E ai que chegou: e ela me disse um romance.

Fazia cada parte o grito de todas as vozes.
Um rito assim destoado, e nada que um bravo destruiu seu momento.
Arruinava lamento na chacina da glória.
Eram palavras de rouge as suas historias.
Aqueles dias foram como metáforas em surrealismo.
Um falso piso no meio das horas.
Amanhecia e fazia um tempo gostoso de dia-normal.
Fazia e me fazia normal
Eram verdades aquelas palavras.
Deslizavam como rosas vermelhas na calçada.
Tirei uma fotografia de paz.
E quando achava que nada era fugaz:

Ela me disse um romance.

E cada parte do corpo se abriu de relance.
Quando eu dancei em meu manto.
A palavra fez sentido na calada do corpo.
E ela me contou minhas chances
Dias de mel e ladrilhos de fel.
E ela me disse que sim
E em cada momento fazia a palavra não ter fim
Ela me disse que era assim como cinema e pipoca
Eu disse que a tristeza mora sempre na minha rota
E ela me disse um romance.

E mesmo quando a historia acabou.

O romance ficou.

Davyd
Quantas palavras cabem em um corpo?
Quantas palavras é capaz de falar uma alma?

Davyd Cejinski

CÉU

Eu te percebo sobre a mesa, todos os dias pela manhã emergindo da eterna falta de um abraço amistoso que confunde a minha ausência de chão. Sempre te espero em rotas lentas, onde jamais vai emergir tal euforia cinza, você me surpreende e aparece em horas finitas e quentes.
A paisagem nada mais é que a minha percepção.
Eu te acalanto em total fissura sem te perder por um momento de enfeite.
Já tem alguns dias que partiu e me deixou fantasticamente sozinho de algo que despreze o límpido.
Da janela vejo o dia amanhecer com filas intermináveis de urbanos nos pontos de ônibus
Eu levanto e me lavo, limpo os azulejos do banheiro, limpo a minha pele nauseada, limpo a alma com uma bossa nova e limpo a casa, passo aspirador nos carpetes, corto as unhas, esfrego o chão, coloco a cortina para lavar na maquina que faz um baralho esquisito,limpo a estante, os portas retratos, os quadros entediados na parece, tudo era limpeza e perfeição.Eu sei que não tem nada que te espante mais do que a beleza feita, sei que não tem nada mais irritante pra ti do que a certeza de um momento mais certo. Tiro os chinelos e fico sentado de frente pra cidade que amanhece fria.
Ela me entende.
A cidade responde.
A cidade é feminina, sabia?Já você, você é pressa, atraso, retorno,repetição você é paulistano.
Eu olho no céu de São Paulo a tua face cinza, maquiada da fumaça que te deixa mais verdadeira, sob este céu de tristeza os urbanos cumprem suas missões de maquina.
Seu charme destrutivo faz cada gozo um hino, sua vontade de miséria está estampada nas telas da televisão, do cinema, nos corpos dos artistas,em um altar de uma igreja qualquer em qualquer avenida, ou rua, tanto faz tudo é feito para passar e deixar, morrer e abandonar.

Davyd Cejinski

A PARTIR...

.....................................a partir de uma palavra perfeita eu me transfiguro no paladar frenético de cada calçada incomum.a paz de todos os silêncios.eu vou metodicamente em alarde, eu quero te castigar em beijos largos, eu vou te tratar feito pecado não dito, este pecado que não tem remédio.(a historia tem nome próprio, e faz do destino o ponto alucinante de seu afluente).quero me acabar em qualquer esquina da cidade grande, em busca da letra que me desassossega.manhãs de infância.o cheiro de vida que infesta toda as minhas horas.já fui todas as mascaras, o mais cruel personagem me presenteou a malicia, a vida e seu rio hermético de palavras escorrem no meu corpo nu.na noite fria deste sábado.a palavra perfeita em que eu quero chegar.queria ter uma melancolia que salvasse o tédio.me deparo de novo nessa armadilha de amor, a palavra não enamora a palavra.a paixão deve estar platonicamente ligada na letra, entende?calcular os minutos de cada mentira, me crucifico com promessas mal feitas, eu não encontro à palavra que me resolve o verso, eu não encontro à paz que traga silencio ao corpo.faz dez dias que quero uma palavra-paixão perfeita.faz dez dias que me nego o silêncio, tenho medo de mudanças.consigo impulso sem fluxo de poema, quero uma historia que me conforte.eu disse que não quero mais uma poesia qualquer, a busca da música plena em água-viva mata a palavra não vista.estou cada vez mais perdido na busca da essência, me diluo em pausas, métricas, mentiras.quero frase que me tire do sério, romance que tire o meu fôlego, imagem que complete o meu ego.faz dez dias que quero a perfeita harmonia.dez dias fazem o calendário de pedra.quero uma letra que santifique o corpo-palavra.quero suor que preencha o veneno, quero letra perfeita na certeza do verso.cada verso uma morte, cada conquista: um desespero.....................................

EU VOU MARCAR SUAS COSTAS...

Eu vou marcar suas costas com metas e desejos
Quero lembrar de coisas que desfiz no meu quintal
Já mostro as minhas ancas,
fitas de desejos.
Do meu desespero canto este final.

Já disse outro dia,
qualquer dia é um enterro.
Para o seu medo marcar o meu punhal
Quero montar os
lentos
fatos
tetos
Dizer magia e me lançar ao meu umbral
Me traz tanta folia que despeço o meu destino
Razão de cada hino,
em cada dia de divino
Imagem preta do lirismo meu irmão
Faz tempo que possuo essa beleza de menino
No entanto o verso encanta cada gesto uma canção
Me diz o que te anda machucando esse rojão
Faz letra passear em cada gesto um milharal
Dancei em prato lento, terra boa e viscosa
De certeza trago essa nossa prosa
O que quero é mar negro, falso piso
Me acabar na brisa desta ira
Afundar em cada morte,
o meu livro.
A certeza invade, anda, canta e chora
A tragédia já faz parte dessa hora

Quando em gozo morre vida morre morto
O cadáver é monumento do prazer
Já que o explode feito gozo, a morte
Morrer nada mais é que ter prazer

Davyd Cejinski

MOFO E AÇUCAR

Finalmente era quinta-feira, religiosamente ele se preparou para hora sagrada de cada semana, colocou suas pantufas velhas e mofadas, vestiu com cuidado o pijama úmido do armário embolorado, o seu uniforme.Era onze da noite e a garganta já tremia na espera do doce destino. Pegou a chave na capanga de couro, presente de seu velho pai, abriu a gaveta como quem se prepara para uma boa foda e em um estalo retirou de dentro a ultima caixa de biscoitos franceses e amanteigados─ levemente açucarados que se diluíam na saliva como uma manteiga na frigideira quente.Sentou no sofá bordado com motivos campestres, olhou a vista da cidade no alto do décimo quinto andar de sua sala pequena e decorada com antiguidades, a velha já tirava um cochilo na poltrona ao lado. Passou a língua nos lábios como um selvagem que se prepara para atacar a presa, e finalmente ligou a televisão com o controle remoto remendado de fita crepe. Lógico que o canal já estava preparado, só utilizava o aparelho para este sagrado momento.O cardápio prometia: uma amante que por vingança matou a esposa de seu namorado, um travesti que torturou até a morte o seu marido e o grande final: o filho que matou seu pai a pauladas e estava foragido há três meses.Ele não usava cuecas por de baixo da calça de flanela.O primeiro biscoito desceu lânguido e arrepiou os seus mamilos flácidos, a velha resmungou alguma coisa enquanto dormia.Tudo era mofo e açúcar importado.
Dona Cilene (a nova secretaria do consultório) lhe invadiu o pensamento e fez ele derrubar um biscoito enquanto lembrava das enormes tetas morenas presas no seu malicioso decote rosa, pegou o biscoito do chão e deu uma leve soprada, não desperdiçava nenhum.Ficou desnorteado enquanto engolia o biscoito e via atento à cena hedionda do primeiro caso, o pau foi endurecendo involuntariamente, um calafrio invadiu as espinhas enquanto se deliciava com a lembrança do óbito do menino atropelado pelo caminhão enquanto andava de bicicleta na Dutra, chegou ao hospital sem chances nenhuma, nada ele podia fazer.
Repousou a mão com força sob o pau.
Ficou atônito com o travesti, nunca pensou em como podia ser erótico um transexual torturando e matando o seu marido de longos anos de convivência.Por um breve momento sentiu um tédio imenso e olhou para velha que babava e roncava enquanto ele esperava o termino do intervalo comercial.Eram sagrados aqueles minutos, poucas doses de felicidade que preenchiam sua vida medíocre, pensou em cometer algo realmente desesperador.
Chegou o grande final, comeu o penúltimo biscoito, ele já sentia a nostalgia do termino do programa e ficou profundamente abalado não queria esperar até a semana que vem. Logo esqueceu de toda melancolia, foi tomado pelo lirismo da ultima historia, tinha um tesão peculiar por assassinatos incestuosos.Gozou sem tocar no pau.Sentiu uma tristeza profunda enquanto o gozo descia entre as pernas e fazia mais uma marca esquisita no carpete da sala.Desligou a tevê, olhou a caixa de biscoitos vazia, olhou para a velha.Ficou ansioso como quando ganha um presente.Tirou o cadarço de seu sapato de couro, olhou o barbante com uma paixão imensa, esticou bem e prendeu cuidadosamente nas mãos.Foi em direção a velha como quando subiu no altar no dia de seu casamento.O barbante foi sua aliança, e no pescoço dela o laço sagrado.
Feliz, se sentiu completo.

Davyd Cejinski

POESIA

Quantas vezes vou precisar falar de ti?
De nossas avenidas atravessadas de poesia que se confundem nas vitrines exaustas de sua eterna melancolia.
Quantas vezes as manhãs serão perfeitas diante de teus olhos azuis, na morbidez de sua arte.
Quantas, de tantas histórias consagraram o seu peso?
A vida que mede a torta mocidade de sua juventude transviada.
Quantas vezes vou desfilar hermético diante da cidade e reclamarei a lucidez que escorre pelo bueiro e infesta a festa perfeita de todos os chuveiros...
Os risos, abraços e beijos de casais perfeitos vão me confundir a visão, vão maltratar a luz de meu coração.
Quantos de tantos lares vais ter que perverter?
Quantas histórias deveras maldizer?
Quanto romance vais ter que viver?
E quantas horas vai ter que trespassar no teu maldito fado de viver a sua própria historia...
A poesia já não aceita mais suas horas, o chão é forrado de medo e das paredes escorre a lagrima fatídica de seu espelho.
Eu queria dançar um bailado que sexodoesse o meu amor.
Eu e meus malditos de mim mesmo.
Eu e as palavras que invadem a casa e desperta essa vontade maldita de ti.
Vai e me confunde entre cores, vai, mas não me chames mais, não me reclame as dores de seu estado maldito na hora de um brado maior...
Faz de cor as suas malditas historias, faz de ti o seu próprio veículo e não se acabe na marginal Tietê não vire noticia maldita na Tv, não faça versões doidas de seu passado.
Vai e não me inclua mais em seu desespero, vai e transborde este rio que me molha de arte.
Vai e não volte mais a me confundir sentimentos, vai e não me tire à roupa todos o dias, vai e não me tire tanta coisa de mim por causa de poesia.

A minha dor é não viver em ti.
O meu desespero é te ter todos os dias.