quarta-feira, 23 de junho de 2010


Para Chico Ribas

Olhe dentro de meus olhos cinza
Toda vida derramada em Jack Daniel’s
Olhe por cima dessa ferida
O que sangra em minha lata de remédio?
Amores escorrem pelo corpo
É desatino, insensatez que você fez
Dançar a morte como valsa em meu juízo
Na cidade de onde eu vim calei talvez
No meio da vida, no meio do pouco que ainda tenho
Levo na mala trompetes de jazz, blues de absinto
Quero um livro que resolva meus perigos
Livre poema de onde eu tire algum amigo

No meio da paulista, cinzas matas revelias
Morei os dias nas paredes de meu quarto
Contei mentiras: armadas serpentinas
Jogando bola em Avaré ou outros matos
É que a vida, vida mesmo não me cabe
Quero pular de vez em quando o meu teatro
Eu sinto medo maremoto, contraponto
Lançar na nuca um revolver de boato

Olhe dentro destes meus olhos cinza
Um filme de Godard, momento exato
Estrada pronta, Kerouac-nostalgia
Vou deslizando algum álcool em meus dias...

David Cejkinski

sábado, 19 de junho de 2010

Ele dizia sempre que sim
Um amor largado no balcão do bar
Ele dizia em tempos de mascaras
Pregadas, sagradas promessas
Em algum prédio do seu desejo
Um tempo de memórias de canas
Soprados açucares
Em cabelos de anjos
Ele dizia que sim
Em qualquer avenida suja
Da America Latina
Minhas caladas historias de amor
Já é parte de guerra conhecida
Em outros continentes
O verde marcado em tuas fronteiras
Beijando teus olhos primeiro
Em derradeiro encontro
Repartido no meio
Como um salmo perdido em Israel
Encontro marcado
Pular mares mortos do mediterrâneo
Pular pares postos em bombas minadas no coração suburbano
Brasileiro
Perdido em tuas fronteiras ao pé do ouvido
Muçulmano, ou pai-de-santo em terreiro?
Livre momento santo para o corpo-paz
Livre! Eu dizia tanto que meu momento era fugaz...
Por isso venha me mostrar
Outras mentiras pretas em seu passado de gloria
Pois nada sei sobre teu país, sobre tua pátria
Esse corpo que mata adentra já desembarca
Outros terrenos e historias caladas
Abra as asas em pares-cidades-moradas-que-já-não-queres-nada
Em tua alvorada
Imaculada de sol
Ao redor de outros arcanjos peço-lhe então:
Profecias curadas de poesia ao meu coração

David Cejkinski

domingo, 13 de junho de 2010

(esque)cimento

Era preciso calar o corpo
Ser feliz no altar
Lançar a boca livre na noite
Ser rouco
Momento de ruptura fadiga

Era preciso matar aquilo que há por dentro
Sempre sendo
Qualquer coisa
Em pronta perda
Em transatlânticos
Em prantos abortos no atravessar da rua

Era preciso ser nua
Em oceano atlântico
Parabólica mascara
Radar de grande valia
Ser moderno em liturgia
Ser lúcido em poesia
Contradição

Era preciso um momento vão
Derramar minha garoa
Era preciso de proa
Em discussão de casamento
Velejar outro vento
Beber a cidade num copo com gelo
Virar desterro
No meu momento

Era preciso ruir os ossos
Achar o que late dizendo
Cobrir as orelhas de sol
Se proteger das horas
A velha maldição do tempo
Cobrindo a pele novamente e sempre de esquecimento

David Cejkinski

terça-feira, 8 de junho de 2010


Este sol redondo
Que bate no rosto
Me molha de paz
Correndo eu dizia
Em sua ilha
No meu partido
Já sou velho amigo

Este sol redondo
De bandas passadas
Queimando alvoradas
Nos pactos-peles
Náuseas rosadas
Um segredo desdito

O sol redondo
Medonho espelho
Em fevereiro
Ao gosto de deus
Eu alta saudade
Na terra boa
Esfreguei vontades

O sol no céu
O céu meu pão
Milhares de réus
Espalhados no mel
Em rotação
Mordo faminto
O meu vulcão

O sol me lava
Escorre dizendo
Em intuição
Eu sou anuncio
De rompimento
Na tarde de outono
Do teu porão

O sol mar de tantos
A sombra de todos
Respeita meus cactos
Grudados na pele
Nos cantos do peito
Lá sobram momentos
De transição

David Cejkinski

sexta-feira, 4 de junho de 2010


Sou gavetas
Bolsos
Quartos de hoteis abandonados
Sou paisagem
Viajem
Guardado no peito como bagagem
Abandono-saida
O que sobra nos cantos?
Daquela avenida...
Sou livros relidos
Cartas enviadas, ingressos perdidos
Endereços errados
Sou estrada-maratona
Jogado na onda
De outro pais
O que sobra nos cantos?
Do homem parado....
Sou roupas usadas
Malas desfeitas
Mudanças distantes
Lisos momentos
Para limpar a boca com guarda-napo
Ai quanta dor eu deixo
E mexo no eixo da minha poesia
Ai que quanta historia eu levo
Dizendo o momento de ficar cego
Ai quanta despedida
Virando na linha a certeza da vida
Ai quanta parte eu parto
Distante ligado em fino trato
Se sou transitorio
Efemera moda
Justo neste pais largado...
Encontro maos perdidas
Roupas forradas de solidão
Satelite exato
Bares baratos
Wyski virado em meia musica
O que sobra nos cantos?
Daqueles meus olhos...
Se sou personagem
Desfilo errado
Em tempos melhores
Madeiras talhadas
Erradas besteiras
No trem moderno mas apertado
Eu preciso ir embora
Para aquele momento de adeus mortal
Mar latente a qualquer hora
Sou lebre, fera desigual
Vestindo o corpo de caminhos
Sou sozinho
Destino

O que fica nos cantos?
Desse meu mundo...
David Cejkinski