terça-feira, 3 de junho de 2008

PONTES

Um dia te destruirei. Com furadeiras pequenas que te trucidaram as partes silenciosas do teu corpo. Vou te matar como imagem barroca onde nada é humano. Castigarei assim sua vida. Humanos são como sombras a deslizar na terra pisada. Eu te adapto, eu te reformo e eu te mato, te mato como se pisa em formigas no campo, com um prazer secreto e enfermo. Um dia vou corromper o mundo e a morte será seu espetáculo final. Tão bonito quanto final de tarde de um domingo. Eu te acalentarei em pontes perdidas, pontes que não levam ninguém a lugar nenhum. É preciso ser místico, é preciso prever para matar. Um dia estarei no asfalto a contemplar a vida que se perdeu nas frestas das pedras, como um sonho que nunca aconteceu. Previsível como cidade e amargo como horizonte sem fim. O tabaco de todos os dias, essa metralhadora de rosas que mitifica o manto e destrói a planta das rochas largas, a semente do teu ventre podre. Gestarei um semideus, confirmando o meu toque divino de fatalidade obvia. Destruir e prever onde as pontes calam, onde os gritos vazam cítricos como o seu olhar para mim depois da noite. Pontes, lindas e clássicas que acabam no nada do meu traço embaralhado. A sina que toca em outra linha e cruza com a minha em parte triste de um filme sem montagem. Me arrastarei nas avenidas largas do teu plácido pontal de zinco. Como um livro sem ponto final. Já nessa marcha sem sentido o meu menino é que me cala a boca. É no teu dia que a noite sempre volta, naquela tarde onde sempre essa ponte torta, eu mitifico com toda melancolia, toda essa vida que no ponto esperei, essa viagem um dia calará, em paisagem que carrega o meu lamento, eu te trucido com mecânica cidade e no meu carro eu carrego esse rei. Destruirei te adaptando ao meu corpo, e te movo um tanto cínico nesse fim. É morte certa que de presente eu te dou, esse diploma é que eu vou te deixar. Partirei na certa em qualquer estação-metrô, como cantiga que ciranda os passantes. Vou te deixar em qualquer ponte dessas tardes, um dia eu volto mas não vou te buscar.


David Cejkinski

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