quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Burgueses


Eu me desfiz
Sempre
Na calada da noite
Do velho navio rompante
Em mar de sinos
Sem voz aveludada
Sem cigarros
Nas galerias com geladeiras
Vazias
Eu estou tão cansado
Como areia pisada
Na beira mar de outra historia
Molhada
Parte da cidade devora
Em outra hora, que não essa
Metade de abismo-historia
Outrora seria bergamota
Chupada com gosto no campo
No inverno
No entanto, traduz o método e enamora
Eu estou tão cansado
Traduzir espinhos, fadiga
Não há nada comparado em vida
Por que chora, chora feito corrimão no centro
Já que a cidade repara
Em metros-mediocres-malfeitos no chão
Dizia que tanto faz quando limpei o retrovisor-madrugada
Refletir imprevistos
Varados de noites suada
Eu estou tão cansado
Para me banhar em lodo
Longe do mar
Daqui
Perfeito arranho de trânsito-juízo
Logo ali na Alameda Santos:
Burgueses gritam roucos para se esvaziar.

David Cejkinski


Por entre as veias

Ele se sustentava bambo na encosta de sua varanda quando percebeu as paralelas agudas que existiam em suas costas, ele passava as mãos com paciência na lombar e acariciou sua pele como quem tatuasse com cuidado os anos pregados nas vertebradas. Verde escuro no horizonte da cidade enquanto a fumaça trespassava seus olhos deliciando a boca, filtrando o pulmão, caindo nas narinas e acariciando seu rosto já amarelado pelo tabaco. Era 5:15 da manhã e seus nervos doíam. Já há algum tempo se sentia mofado, até mesmo os moveis finos suavam frio no apartamento gelado de um bairro nobre, tudo era ausência nesses últimos anos. Por entre as veias sentiu uma cócega quente que invadia o estomago, uma fagulha morna no seu mar de placenta gelada.Sentou-se na ponta de sua poltrona marrom e sem querer fez mais uma das pregas do estofado de couro se soltar, já não fazia diferença, até mesmo ele já era frouxo, se desapegava fácil também de si mesmo. Foi a cozinha e amargou seu café, sim, não suportava doce em café, tinha orgulho disso desde a sua época de pracinha quando se masturbava entre as trincheiras. Achava tão erótico gozar entre a pólvora, no entanto tudo era tão gelado naquelas terras que o motivo principal da punheta não era o gozo, era porque lhe esquentava um pouco o corpo. Apesar hoje do frio não tinha punheta que resolvesse ele, mesmo se ele quisesse já não daria tão certo, se sentiu um verdadeiro incompetente.
Ligou ao auxilio a lista para ouvir alguém lhe falar gerúndios, sua folha de rascunho não cabia mais de tanto numero anotado, eram poucos os minutos de felicidade que vivia. Cronometrados 11 minutos no telefone, apenas para fazer valer o preço da assinatura. Quando desligava ia partir seu mamão para comer com granola, viva sempre de intestino preso.
Um pouco tremulo derramou algumas sementes de mamão nos azulejos alaranjados da cozinha, não viu nenhum problema em deixar eles por ali mesmo... Enquanto comia sentia um cheiro único vindo de sua mão, parou de levar os pedaços de mamão a boca para cheirar melhor o seu dedo, era cheiro de AS infantil. Nem duas vezes pensou quando já estava com aquele plástico rosa entre os dedos, e comia uma a uma das pastilhas se sentindo uma malvada criança. Era remédio e era infância, tudo que precisava.
Por entre as veias sentia uma calmaria estranha quando se levantou dos azulejos alaranjados, havia pegado no sono ali mesmo... Se levantou como se navegasse todo o oceano atlântico, era marinheiro e era corajoso por chegar ao topo de si mesmo, reto e mareado entre as sementes de mamão. Conseguiu com paciência chegar à sala, no espelho havia ele garoto alterando a temperatura do termômetro para mentir a sua mãe e não precisar ir a escola. Cambaleante ele ria daquilo de frente ao espelho, queria agora também poder mentir a ela que estava doente e que não dava para ele tentar a todo instante buscar a felicidade, por pura preguiça sempre tinha ausência nessa matéria.
Quis abraçar-se, mas não tinha braços que lhe envolve-se, os seus próprio já não queria, queria o outro, queria a presença de alguém. Quebrou o espelho na tentativa besta de alcançar sua mãe que olhava para ele criança fingindo que acreditava no termômetro, não se cortou tanto, mas o bastante para fazer uma boa sujeira no carpete persa da sala.
Durante um tempo ficou segurando o maior corte enquanto estava encostado na parede ao lado do espelho partido. Sentiu uma pequena mão passar os dedos em seu cabelo.
Não era nada, apenas o vento.
David Cejkinski

Um comentário:

Chico Ribas disse...

O Cazuza dizia:
"Enquanto houver burguesia não haverá poesia".

Quem disse? Taí a poesia da burguesia.
Lindo.
Depois volto para falar do conto.
bjs