quarta-feira, 9 de julho de 2008


Na solidão os urbanos se divertem com os seus luminosos corações e outdoors de angustias.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Metrô

Blocos de pessoas cantavam ao entrarem empurradas no vagão,”Isso é transporte de louco" uma velha disse. Em frente o moço executivo conversava com sua namorada provavelmente também sua secretaria, estavam abraçados. "Eu fui condenada a doze e já cumpri cinco, Jandira também vai ser assim, tenho certeza mulher" reclamava a velha. Um rapaz pequeno se masturbava por de trás da moça gordinha que segurava um livro de hematologia e sorria, parecia gostar. Corpos apoiados em corpos, suor de gente, cinzentas caras. Cidade, cidade, cidade. Mesmo parados debaixo da terra os corpos continuavam vivos, espremidos e suados. Pessoas de cimento e água seguravam escritórios, lojas, industrias, paralisados no vagão. E no celular: chamada perdida congestionamento. Estávamos correndo contra o vento no deserto. A menina pequena que estava com a cara assustada do meu lado soava muito e parecia ter muita vontade de sair dali, por um momento fiquei com pena dela até ela começar a me empurrar e jogar meu corpo contra um negro com caras de poucos amigos que estava encostado na parede do trem. Em fim a próxima estação estacionou diante de nós, a menina saiu e ainda consegui a ver na plataforma, ela se agachou e se encolheu, ao que percebi ela ficou ali naquele lugar por mais um tempo. De novo areia escura e corpos apertados, sentia agora uma estranha sensação nos pés. A próxima estação era ponto de baldeação para as linhas de trens, costumava-se a sair sempre muita gente, me sentia animado pensando na possibilidade de sentar. Um pouco mais de areia escura e corpos apertados, de novo nova estação. A porta abriu, todos ficaram paralisados como bloco de cimento pré-moldado. Ar de estranhamento no trem durante uns dois segundos. “Eu quero sair, mas não consigo, meus pés não saem! Qual é o engraçadinho que grudou cola no meu tênis hein? Olha que eu to armada!” gritou a velha que falava da cadeia com a sua acompanhante má vestida. “È eu também não consigo tirar os pés do chão” falou o executivo olhando para sua possível secretaria. Agora o vagão inteiro gritava sucessivamente sobre a paralisia, menos eu que de tão desesperado fiquei quieto olhando para a senhora de cabelos branco sentada a minha frente e pensando em como sair daquele inferno, o negro mal encarado fazia força com as mãos no teto do trem para ver se conseguia se mover dali, de nada adiantou seu esforço e o seu braço fedia mais do que o rio Tietê quando chove. Começou um verdadeiro caos no vagão, mas se ouvia também gritos vindos de outros vagões. Por toda a plataforma ressoavam as reclamações, pessoas pedindo socorro, pessoas histéricas, crianças chorando e nada de o trem partir, ele também havia estacionado a uns três minutos acho, tempo de mais para o horário do rush.
Eu calado, minha garganta secará, nada fazia mover minha boca mesmo que o desespero e a vontade de gritar fossem grande. Muito barulho. Pessoas histéricas não conseguiam parar de gritar, a suposta secretaria do executivo estava em crise de choro, a velha da penitenciaria falava que para ela isso era perseguição ou coisa do governo, todos falavam, gritavam e reclamavam alguma coisa menos eu cada vez mais mudo e estático. Como se fosse ensaiado vários celulares vieram à mão para ligar e pedir alguma ajuda, eles também não funcionavam e o desespero dobrou no trem.

Não sei bem quanto tempo, mas acho que umas sete horas haviam se passado, agora o silencio era o maior vilão dos ouvidos e todo mundo parecia ter se conformado. Alguns já estavam pálidos, outros suavam frio e eu apenas olhava para a velha de cabelos branco, nada fazia o seu semblante mudar de expressão, achei estranho à expressão apática que ela sustentava no seu rosto durante àquelas horas, por nada ela se movia. Aquela pele cheia de ceratose, aqueles olhos cansados me fizeram não sei bem o motivo querer tocar em seu rosto, acho que lembrei da minha Vó, queria me sentir acolhido não sei. Meus braços não se moviam, fiz toda força mental e física que pude fazer e nada. Fiquei desesperado, agora sim eu queria gritar, precisava extravasar, porem não conseguia mover os lábios.
Eu já tinha perdido a noção de tempo, não ouvi mais nem um grito, reclamação ou mesmo barulho de qualquer movimento, nem mesmo de respiração.
Nunca pensei que mesmo depois de tanto tempo do resgate no metrô cada um de nós ia virar peça rara para uma exposição exótica na Europa.

David Cejkinski